Inês Lourenço — três poemas

by manuel margarido

No número 28 da Relâmpago, revista literária da «Fundação Luís Miguel Nava», dirigida por Fernando Pinto do Amaral, tendo Vitorino Nemésio como tema nuclear,  anuncia-se a atribuição do Prémio de Poesia Luís Miguel Nava 2011 a Helder Moura Pereira, pelo seu livro Se as coisas não fossem o que são. Publicam-se, igualmente, um conjunto de poemas inéditos de alguns autores (Inês Lourenço – Sete poemas; Manuel Gusmão – A pintura corpo a corpo; Miguel Cardoso – de O Mundo e as suas tarefas; Sheryl St. Germain – Seis poemas). Do site online da revista recolhem-se três poemas de Inês Lourenço, que aqui se reproduzem, com expectável anuência da autora e sem possibilidade de contactar a Fundação Luís Miguel Nava. Espera-se indulgência.

DOIS CIMBALINOS ESCALDADOS

Não sei, meu amigo, o que
irradiava mais calor, se
a chávena escaldada, se
o cimbalino fervente, se
as conversas sobre livros de poesia
que nesse tempo, ainda
acreditávamos ser a maior
razão

Curto, normal, cheio
o cimbalino, esse negro odor
com moldura branca
numa mesa de café, na cidade
onde habitávamos desde sempre.

 

CIFRÃO

Dizias: não se importe de perder
dinheiro com a sua revista de poesia. Pelo mesmo,
alguns empenharam jóias de família.

Naquele café com nome monetário
eras bem o poeta de Os Amantes Sem Dinheiro
mas sem anjo de pedra por irmão. Só
nas mesas vizinhas, grupos
buliçosos de estudantes de Belas-Artes, desconheciam ainda
a arte de caçar patrocínios.

Depois mudaste para o Duque, que
copiou o brasão à tua rua, para mais tarde passares
ao mar do Passeio Alegre e às palmeiras da Foz
que chegaram tarde à tua vida.
Mas acabaste por voltar às cercanias das Belas-Artes,
para descansar num Prado, pouco distante
do jardim de São Lázaro, onde segundo outro poeta,
costumavas medir o tesão das flores.

 

CAFÉ ESTRELA D’OURO

Na Rua da Fábrica, perto
de livrarias e simpáticos alfarrabistas,
redigíamos panfes pela libertação
da mulher, devidamente pastoreadas
por um pequeno partido de esquerda, onde
só nos podíamos libertar
ao lado dos homens.

Inês Lourenço. in Relâmpago, n.º 28, Lisboa: Fundação Luís Miguel Nava, 2012.

“Jardim de São Lázaro – vista do lago e da Igreja e Colégio da Nossa Senhora da Esperança ao fundo.” Crédito Fotográfico: JotaCartas, via Wikimedia Commons (D.R.)

 

 

Página da Fundação Luís Miguel Nava (Relâmpago)

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