Sophia de Mello Breyner Andresen — Elsinore
ELSINORE
No palácio dos Átridas como em Elsinore
Tudo era cavernoso — as paredes
Eram grossas o espaço excessivo e sonoro
Roucas as vozes da maldição antiga
Porém em Micenas o sangue era exposto
E corria vermelho como num grande talho
Sujando apenas as mãos dos assassinos
E a água da banheira —
Lá fora o rio a luz
Continuavam limpos e transparentes
O crime era um corpo estranho — circunscrito —
Não pertencia à natureza das coisas
Em Elsinore ao contrário o mal era um veneno
Subtil
Invadia o ar e a luz — penetrava
Os ouvidos as narinas o próprio pensamento —
O amor era impossível e ninguém podia
Libertar-se:
O inferno vomitava a sua pestilência invadia
As veias e os rios —
No entanto o mal não se via: era apenas
Um leve sabor a podre que fazia parte
Da natureza das coisas
Nov. 1988.
Andresen, Sophia de Mello Breyner, Colóquio/Letras n.º 107, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Janeiro de 1989.
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